Há várias inconsistências neste artigo . Vou falar de algumas (o que está em itálico são fragmento do texto e os meus comentários encontram-se em letra normal).
O jornal forneceu-me a possibilidade de trabalhar duas questões: a da norma culta (usada nas diversas seções) e a da norma popular (vislumbrada em crônicas permeadas por gírias).
Não se pode basear toda uma língua num simples artigo de jornal. Não se pode esquecer que o jornalista dá a sua marca ao texto que escreve, que é a sua cara, que representa o seu idioleto e não pode (nem deve) representar toda uma nação. Para dar um exemplo, nem todo brasileiro fala ou escreve como a redação da revista Época. Além disso, há um problema estatístico: a amostra é muito pequena. Mas passemos ao próximo ponto.
a) Em Portugal-Angola encontra-se normalmente o registro do mais-que-perfeito simples com o seu sentido temporal, ao passo que no Brasil tende a fixar-se a preferência pelo uso do mais-que-perfeito composto:
“Quando ouvira falar do Luís Fernando, bem no começo dos idos de oitenta, ...”
Qualquer pesquisa revela que o pretérito mais-que-perfeito simples é mais usado no Brasil em textos literários e jornalísticos do que em Portugal (e suponho que em Angola). Quanto à língua falada, talvez se possa dizer que tenha praticamente morrido em toda a lusofonia.
b) O emprego da mesóclise no futuro é corrente no português europeu e no português angolano, o que não se verifica no português brasileiro:
“De 8 a 10 realizar-se-á a Feira de Música no Campo de jogos Manuel Berenguel...”
Se por português brasileiro se refere à fala, dou-lhe razão, mas não podemos descartar os milhares de livros escritos por autores brasileiros em que aparece a mesóclise.
Mas, observa-se na variante nacional de Angola, ainda que timidamente, a interferência da norma usual brasileira: colocação em próclise no futuro. Destaco o exemplo:
“... enquanto os políticos se desdobrarão, com certeza, em maratónicas sessões de discursos... ”
Errado. Em português padrão, seja ele de onde for, não se usa a mesóclise com fator de próclise (aqui o fator é enquanto, conjunção subordinada temporal).
d) Portugal-Angola empregam os pronomes possessivos com artigo em casos em que Brasil não o faz:
“...dados adequados para analisar, validar e determinar as suas prioridades económicas e sociais. ”
Muito taxativo. Eu, brasileiro, poderia dizer ou escrever esta frase com ou sem o artigo as antes de suas.
e) O português de Portugal bem como o português de Angola mantêm, no código do tratamento, o uso de tu (te) informalmente e vós (vos) em situação formal:
Muito taxativo mais uma vez. No Brasil também se usa o tu em algumas regiões e há inclusive pessoas que o conjugam corretamente. Quanto a vós, o que acontece em Portugal, pelo que venho seguindo, é que não use usa o vós, mas usam-se os pronomes vos e vosso (e variações) muitas vezes em lugar de lhe e seu (e variações), algo como Trouxeram os vossos deveres? Canonicamente: Trouxarem os seus deveres ou Trouxestes os vossos deveres? Além disso, vós não configura situação formal, mas sim mero plural.
Neste aspecto, ambas as modalidades nacionais distanciam-se, acentuadamente, da atual norma brasileira, que excluiu essas duas fórmulas.
De novo muito categórico. Dizer coisas destas com relação a língua é sempre perigoso.
Cabe-me registrar que, embora com baixíssima freqüência, detectou-se no uso angolano o mesmo traço conservador utilizado no Brasil, no que concerne à colocação do pronome átono, conforme o exemplo:
“Se Noventa Palavras o distinguem como cronista antológico...”
Seria mesmo um caso de conservadorismo ou um sintoma de contaminação lingüística da variante nacional brasileira? Afinal, como já foi dito, intensifica-se o intercâmbio cultural entre Angola e Brasil.
Se é fator de próclise, portanto Se Noventa Palavras distinguem-no... é inaceitável em qualquer país lusófono.
“Tu já escrevestes sobre isso.”
Não sei se simplesmente transcreveu o que viu ou foi de lavra do estudioso, mas de qualquer forma é Tu já escreveste...
b) O verbo PARAR na acepção de “fixar-se”, no Brasil, é regido pela preposição em. Ao passo que em Angola é regido pela preposição a:
“Ontem, todas as atenções foram parar à sede nacional dos correios.”
Duvido. Aqui se usou a por causa do verbo ir, que é verbo de movimento.
Word of the Day
beatitude | |
Definition: | Supreme blessedness or happiness. |
Synonyms: | blessedness, beatification |
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